Há muitas concepções de virtual:
Algumas das mais comuns são estas:
Um dos mais conhecidos autores a tratar do tema é o francês Pierre Lévy. Em seu livro “O que é virtual?”, ele define:
“o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização.” (LÉVY, 1996, p.16)
É uma definição filosófica. Como filosofia, é uma especulação, não ciência (Eu não conheço Filosofia, mas todos os meus alunos ou colegas que estudam a matéria dizem “Pff…” e desconversam quando toco no nome de Lévy).
Na tentativa de explicar melhor o que é “virtual“, Lévy descreve a situação de uma empresa com departamentos longe da matriz. O que também não ajuda em nada na definição. Que diferença esta empresa com teletrabalhadores teria em relação a uma empresa com salas em diversos andares de um prédio? Sem se preocupar com um termo mal definido, Lévy vai adiante:
“A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma ‘elevação à potência’ da entidade considerada. A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (‘uma solução’), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num corpo problemático” (LÉVY, 1996, p.17).
Alguém entendeu isto? Poderia dar um exemplo na vida real? Poderia dar um exemplo da utilidade deste conceito? Por favor, então deixe as explicações no espaço de comentários abaixo, porque, para mim, isto é incompreensível e inaplicável em ciências.
A partir daí, sem que o conceito de “virtual” tenha sido esclarecido, Lévy usa o termo para criar mais especulação filosófica: passa a falar de “virtualização” aplicada a, praticamente, todos os aspectos da vida humana: “Três processos de virtualização fizeram emergir a espécie humana: o desenvolvimento das linguagens, a multiplicação das técnicas e a complexificação das instituições” (LÉVY, 1996, p. 70). E assim por diante. Ao final do livro, fica-se imaginando que tudo é virtual.
Acho surpreendente que conceitos tão mal explicados estejam tão disseminados no ambiente acadêmico, e que Lévy seja citado como grande autoridade no assunto.
Talvez os inglêses tenham razão quando zombam da “dissertação francesa”.
Na impossibilidade de aplicar em ciências (Comunicação, Informação e Pedagogia, neste caso) conceitos filosóficos mal explicados, vou me ater apenas ao conceitos de virtual usado pelo senso comum.
Em Pedagogia, é freqüente o uso de “virtual” na designação de sistema de colaboração em rede. Como em “ambientes virtuais de aprendizagem”, por exemplo. Em informática, é muito usado para designar sistemas de animação tridimensional em tempo real: “realidade virtual”. “Virtual” também é um termo usado largamente para designar qualquer relacionamento mediado por redes de computador. A midia de informática, principalmente, ajuda a popularizar a “virtualidade”, porque é uma palavra que sempre chama atenção, está sempre ligada a novas tecnologias e ao hype tecnológico.
O termo realidade virtual se popularizou a partir de 1989, cunhado por Jaron Lanier. Segundo ele próprio:
“Eu originalmente me aproximei do termo como uma reação ou uma resposta a um termo que já estava por aí. Tinha um cara chamado Ivan Sutherland — ele é o pai da computação gráfica — e ele usava o termo ‘mundos virtuais’, o qual na verdade remete a uma filósofa das artes chamada Suzanne Langer. Ela falava sobre mundos virtuais nos anos 1950, antes que houvesse tecnologia para imaginá-los; ela estava usando o termo como uma metáfora”. (BEHR, 2002)
Chegamos, então à fonte do “virtual” usado pelos informatas. Descobrimos, também, que o uso do termo por Langer é uma metáfora.
Suzanne Langer, uma filósofa da música, descreveu estas concepções de virtual no livro Sentimento e Forma, publicado originalmente nos anos 1950 (LANGER, 1980). Para ela, olhando um quadro figurativo criaríamos em nossas mentes um “mundo virtual”. Um quadro de paisagem criaria aquela paisagem em nossa mente.
Este tipo de operação mental (representações em nossa mente causadas por fenômenos externos) foi explicado por Charles Sanders Peirce há mais de cem anos, ao definir a Semiótica como a ciência dos signos. Para ele, signo é algo que está no lugar de outra coisa, representando algo para alguém (PEIRCE, 1977, p. 46). Um quadro de paisagem estaria no lugar da paisagem real, por exemplo. Representaria a paisagem, seria um signo icônico dela.
Mas Peirce pensava Semiótica como o estudo da significação não apenas entre seres inteligentes. Ele falava na representação “para alguém” porque não era compreendido quando falava em representação para “alguma coisa”. Os signos não representam, necessariamente, para um ser humano, mas também para um outro fenômeno qualquer. Hoje, por exemplo, podemos ver como semiose um elétron interagindo e significando algo para um próton e vice-versa, formando uma nova significação: um átomo de hidrogênio; átomos de hidrogênio interagindo com átomos de oxigênio formando nova significação, a água. E assim por diante, no processo que Peirce chamou de cadeia semiótica, uma rede infinita de significações.
Eu uso a Semiótica como ferramenta para entender como como o universo se estrutura, desde as menores subpartículas da matéria até os gigantescos fenômenos galácticos, passando pelo cérebro humano e demais criaturas vivas. E vejo o universo, conforme a Semiótica peirceana, como uma complexa relação de fenômenos significando coisas para outros fenômenos (MEIRA, 2003).
Pelo conceito de semiose, a concepção metafórica de “virtualidade” de Langer, de que o cérebro forma “um mundo virtual”, é apenas mais um nível da semiose. Não haveria, então, um “outro mundo” dentro de nossas cabeças, mas apenas mais um nível de significação fazendo parte da cadeia semiótica.
Além disso, concepção mental não é algo irreal, “virtual“, porque nossos pensamentos são coisas reais e materiais: pelo que se sabe do cérebro, hoje, os pensamentos são definidos por ligações sinápticas entre células nervosas. Nossas concepções mentais, nossas idéias, nossos sentimentos, nossos conceitos, nossa imaginação, tudo isto são coisas físicas, interações entre células nervosas mediadas por neurotransmissores e energia elétrica. Pensamentos são esmagadoramente físicos. Não são exatamente coisas, mas interações entre coisas aparentemente físicas, que por sua vez são interações entre outras coisa, que são interações entre outras coisas, infinitamente. Tudo no universo é resultado de interações entre fenômenos, num complexo “joguinho de armar”.
Por que sistemas de ensino por computadores em redes seriam “virtuais”? Em oposição ao ensino presencial? Vamos analisar, então uma interação presencial.
Quando pessoas se encontram ao vivo, elas só sabem da presença da outra pelos cinco sentidos do ser humano.
Estes três últimos são sentidos que nos informam sobre outras pessoas, mas não são muito usados na educação. Portanto, não me interessam neste momento. Vou me ater à visão e à audição.
Uma interação “ao vivo”, então, é mediada pela luz e pelo ar. Nas interações por computador, estes dois meios são traduzidos mais algumas vezes: a luz e o som são transformados em impulsos elétricos, depois digitalizados, transformados em orientações magnéticas (nos disco de computador), em energia elétrica (nos circuitos eletrônicos), em luz (nas fibras ópticas), em ondas eletromagnéticas, etc, e decodificados novamente na outra ponta da comunicação. O que aconteceu, na verdade, foi traduzir algumas vezes a informação, mediar mais algumas vezes uma mediação que já existia. Toda interação é mediada, não importa sua natureza. Isto acontece com pessoas ou com qualquer outra coisa no universo.
A rigor, não existe diferença entre uma interação ao vivo e uma interação por computador, a não ser na forma de maior resolução e qualidade da mediação. Uma interação ao vivo tem maior resolução, maior quantidade de informações que uma mediação por computador. Mas também é mediada. Sendo ambas interações mediadas e tendo ambas a mesma natureza, como todas as mediações, não faz sentido diferenciá-las, a não ser pelo nome da mídia: interações ao vivo, interações online, por exemplo.
Em Pedagogia, Informática e Comunicação, os termos “virtual” e “virtualidade” são definidos imprecisamente ou impropriamente e não explicam a natureza dos fenômenos em que são aplicados.
Como significado oposto ao real, não devem ser usados porque todas as interações que existem no universo são reais, inclusive a imaginação. Ou, visto pelo ângulo da Semiótica, todos os fenômenos do universo são significações.
Como significado de simulação ou de interações por redes de computadores, “virtual” não deve ser usado porque leva à confusão com o uso histórico do termo. Existem opções mais precisas: ambiente online ou ambiente simulado são bem mais explicativos que “ambiente virtual”. Realidade simulada, melhor que “realidade virtual”. Como metáfora de sala de aula presencial, é desnecessário, pois a função da metáfora seria explicar algo complicado, e, hoje, praticamente todo mundo entende o que é comunicação via internet sem necessidade de metáfora.
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Também vim parar aqui porque estou fazendo meu TCC e travei quando Lévy explica (tenta) sobre virtual , eu não entendi nada e estou boiando.
Aqui estou, nesse problema clássico da vida acadêmica, escrevendo o grande e poderoso trabalho de conclusão de curso, tentando filosofar sobre definições hoje tão simplificadas em nossas mentes, devido a nossa, cada vez maior, convivência com a internet. Pois bem, eu quero explicar o que é o virtual em meu trabalho, e, num primeiro momento, pensei em citar o filósofo pop da área. Mas eu resolvi lê-lo. Certo, admito, eu parei na metade. Agora (que já sei que não estou louca) encontrei no tão criticado Google este texto do Professor José Antonio e faço as palavras dele as minhas também: "Acho surpreendente que conceitos tão mal explicados estejam tão disseminados no ambiente acadêmico, e que Lévy seja citado como grande autoridade no assunto". Sem mais.
Sobre o que é seu trabalho?
Olá, Hanna!
Ainda bem que você pensa assim. Então, eu também não estou maluco. ;)
Caro Meira da Rocha,
Esta discussão vale a pena.
Após o "Ser ou não ser..." chegamos ao crer ou não crer".
Fico na relatividade e na variação em graus, entre o que é real (ou presencial) e o que é virtual pois tudo é tudo, nas suas devidas proporções.
Eduardo
Virtual é o reflexo do que é real, tem todas as características do real, porém não é real , e pode-se dizer imaginário. Preenche o espaço do real, mas não tem a cocretude dele.