Bolinha no Serra: segundo perito adultera vídeo e apaga evidências

Artifiact já aparece no quadro anterior ao do suposto rolo
Artifact já aparece no quadro anterior ao do suposto rolo

A pauta já esfriou, o assunto é uma bobagem, mas é um tema ótimo para estudar dois pontos com meus alunos de jornalismo:

  1. Mídias digitais.
  2. Padrões de manipulação da velha mídia.

Depois de levar ao ar uma matéria de sete minutos (uma eternidade em televisão) com um laudo sobre uma suposta agressão ao candidato José Serra, a TV Globo encomendou um segundo laudo sobre o vídeo ao perito forense prof. Mauricio de Cunto. Diz o laudo, em seu primeiro parágrafo:

Em 21 de Outubro de 2010, às 15h41m, a Rede Globo de Televisão recebeu um e-mail do Grupo Folha contendo um arquivo de vídeo anexado de nome “Serra.mp4”. Este e-mail foi encaminhado a este perito às 20h21m do dia 22 de Outubro de 2010. Este vídeo, produzido pelo vídeo-reporter Italo Nogueira do Grupo Folha, é o alvo desta análise pericial.

A primeira coisa que notei foi: por que uma empresa jornalística entrega um “furo” jornalístico para sua concorrente? Muito estranho. A atitude é compatível com orquestração.

Também notei que o perito, no laudo, não informa as dimensões da imagem — informação de interesse secundário — nem a taxa de quadros por segundo, esta sim uma informação vital para a análise do vídeo.

Indiretamente, através de time code (tempo decorrido) colocados pelo prof. Cunto nos fotogramas, confirmamos que a taxa de quadros é de cerca de 67 milissegundos, valor que já havíamos calculado. O blogueiro Roberto Takata apurou que o celular Nokia E71 do repórter da Folha, Italo Nogueira, gravou a 15 quadros por segundo. Isto é suficiente para registrar o suposto rolo de fita em 6 ou sete quadros. A fita não aparece em nenhum.

Na segunda página, sobre sua metodologia, o prof. de Cunto diz:

“o vídeo possui baixa resolução e uma taxa pequena de quadros-por-segundo, dificultando a análise. Visando melhorar as características de visualização e documentação deste vídeo, este perito utilizou algumas técnicas para viabilizar e facilitar esta análise”

E segue uma longa e correta explicação sobre o que é interpolação e porque foi utilizada. E é aqui que o perito errou — apesar de parecer bom profissional.

Ao usar a interpolação, o professor inseriu informações onde antes havia nada. Dependendo do tipo de interpolação usado, além de aumentar o tamanho do vídeo, ela suaviza, “dá uma borrada” na imagem. Parece que foi isto que aconteceu, porque Cunto diz mais adiante: “o processo de interpolação preenche matematicamente os espaços vazios com pixels idênticos aos seus adjacentes permitindo uma observação da imagem com muito maior suavidade sem adulteração do conteúdo da informação presente na imagem” (negrito meu).

Ora, o primeiro suspeito numa imagem de vídeo ou fotografia comprimidas é o chamado “artifact“, um defeito de compressão que se caracteriza por quadrados com bordas afiadas e interior difuso.

E é exatamente o que se vê no quadro transmitido pela TV Globo, ampliado por ela mesma (galeria abaixo). Mesmo com várias regravações — da Folha para a Globo, edições da Globo, gravação por mim — existem quatro quadrados relativamente visíveis e com bordas afiadas:  um quadrado na calva de Serra e outro logo abaixo dele, cortando em ângulo reto o cabelo do segurança, e dois quadrados à direita, menos notáveis. Estes são os artifacts. Em uma imagem de tão baixa resolução e em movimento, só um defeito provocaria bordas tão definidas.

Essa aberração de imagem já aparece no quadro anterior ao suposto choque do rolo de fita (primeira foto da galeria).

Mas, ao interpolar, o professor Cunto suavizou as bordas do artifact, adulterando a imagem e impedindo sua correta identificação. O perito adulterou o vídeo e diluiu as evidências!

Acredito que o erro não foi proposital e se deveu ao fato de Cunto ter usado o programa Sony Vegas. Como é um programa de edição de vídeo profissional, ele deve fazer a interpolação com suavização automaticamente, para deixar o resultado sem “serrilhados”.

Veja na galeria de fotos abaixo os artifacts salientados, depois como mostrados na TV Globo, e finalmente eles suavizados pelo perito Cunto.

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About José Antonio Meira da Rocha

Jornalista, professor das áreas de Editoração e de Mídias Digitais na Universidade Federal de Santa Maria, campus cidade de Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil. Doutor em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design (PGDesign)/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil, 2023. Mestre em Mídias pela UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil, 2003. Especialista em Informática na Educação, Unisinos, 1976.