A verdade sobre as cotas nacionais na TV por assinatura

Na lista de discussão Resposta 42 rolou uma conversa sobre a campanha que a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA, uma associação de empresas estrangeiras) está fazendo contra o projeto de lei das cotas para programadores nacionais. Como muita gente está se posicionando sem ler o projeto, aí vai uma análise:

“A propaganda é completamente enviesada para colocar todos contra o que propõe o Projeto de Lei. Querem fazer massa de manobra contra o projeto e estão falando todo tipo de inverdade.

Tive o trabalho de ler o projeto e estudá-lo. O projeto, de autoria do deputado Jorge Bittar sequer aparece na página da campanha dita “Liberdade na TV” – e também não há link para a proposta. E está no Congresso desde dezembro último. Certamente para que ninguém conheça o texto e, assim, fazer com que os argumentos da campanha caiam por terra.

“A campanha é orquestrada, pelo que entendi, pela Sky (do magnata Rupert Murdoch) e a ABTA (que representa os canais estrangeiros). Ao que parece, a Globo através dos seus braços na TV por assinatura, tem apoiado.

“O enviesamento da campanha “Liberdade na TV” é total, para conquistar corações e mentes.

“Vamos lá. O que o projeto NÃO propõe:

  1. “a retirada dos atuais canais (estrangeiros) dos pacotes. A aplicação das cotas é progressiva, sendo alcançadas, na totalidade, em 4 anos. E em quatro anos, todas as redes estarão digitalizadas, permitindo muito mais canais.
  2. “computar 10% em cima de toda a grade horária diária dos canais estrangeiros. Os 10% são em cima de 5 horas do horário nobre. Dá 30 minutos por dia (em 4 anos), ou seja, e 3:30h na semana inteirinha.
  3. “não retira do usuário o direito de escolha sobre o que ele quer assistir na televisão por assinatura. O Projeto de Lei não subtrai, mas soma conteúdo brasileiro aos pacotes existentes hoje.

“Efetivamente, o que o projeto propõe em relação às cotas? São basicamente 3 cotas:

  1. “Que daqui a 4 anos, teremos 3:30h SEMANAIS de conteúdo nacional (equivalente a 10% do tempo dentro das 5 horas do horário nobre) nos canais que tem maioria de espaço qualificado nas 5 horas do horário nobre. Entram: Warner, Sony, Discoverys, HBO, etc. E ficam de fora: NHK, RAI, ESPN, etc, porque não tem maior parte de espaço qualificado no horário nobre. Vejam bem, 210 minutos por semana em 4 anos. E no primeiro ano, 25% disso, ou exatamente 52 minutos SEMANAIS. Isso é absurdo?
  2. “O projeto é inteligente ao aproveitar a digitalização das redes de tv por assinatura, fato que promete aumentar em muito o número de canais possíveis de veiculação, para criar uma cota de canais que tenham conteúdo brasileiro, em sua maior parte. Caso nada seja feito, as redes aumentarão em 50 a 100 os canais disponíveis e todos esses canais serão programados por empresas estrangeiras, com conteúdo estrangeiro dentro deles. O texto propõe 30% de todos os canais qualificados (a título de exemplo: HBO e Cartoon são ‘canais qualificados’; ESPN e Canal Rural, não) existentes no pacote. Isso dá, de fato cerca de 20 a 25 canais caso o pacote tenha 100 canais (visto que o cômputo se dá não em cima de todo o pacote, mas apenas em cima dos canais que tem majoritariamente espaço qualificado no horário nobre. 20 a 25 canais (em 100) daqui a 4 anos. No primeiro ano, a cota, pela proposta será 25% disso (ou seja 4 a 5 canais). Isso é muito? Pode ser… mas ‘absurdo’?
  3. “O projeto propõe 50% de canais programados por empresas de capital nacional. Essa cota não diz se o conteúdo será, nesses canais, brasileiro ou estrangeiro. É uma cota para os programadores nacionais, ponto. Não faz qualquer menção ao conteúdo existente dentro deles. Os canais Telecines por exemplo, são da Globosat (da Globo) e entrariam nessa cota. E só veiculam conteúdo estrangeiro.O Canal Rural, o SporTV e o Shoptime também. É uma cota grande? Pode ser. Mas absurda? Se diminuísse para um percentual razoável, continuaria absurda?

“O que mais o projeto propõe:

  1. “mecanismos importantes para incentivar a competição (essa palavra que os grandes empresários brasileiros tanto odeiam) na televisão por assinatura (art. 11, art. Art. 17, por exemplo);
  2. “mecanismo que faz com que alguns eventos nacionais considerados relevantes (alguns eventos esportivos, por exemplo) sejam veiculados por mais canais de programação, estando, portanto, mais acessíveis a mais gente.
  3. limite de publicidade nos canais de tv por assinatura (15% de cada 1 hora – art. 20)

“Como tais propagandas manipulam as informações:

  1. “Dizendo que 10% da programação TOTAL dos canais estrangeiros deverá ser composta por programas brasileiros. Na verdade é 10% de 5 horas diárias (§ 2º do art. 18).
  2. “Dizendo que 50% dos canais terão de veicular conteúdo nacional. O que é uma inverdade. A cota de 50% é para programadores nacionais. E eles exibem o que quiserem: jornalismo, filmes estrangeiros, jogos de futebol, etc.
  3. “Dizendo que o usuário perderá a possibilidade de escolher o que assistir, ou que estará pagando para receber menos conteúdo.

“Há muitos interesses em jogo. E estão usando de propaganda maliciosa para fazer massa de manobra contra o projeto.

“A peça de propaganda diz que estão ameaçando a liberdade de escolha. Valeria a pena perguntar: que liberdade de escolha o assinante tem hoje? De pagar por uma TV por assinatura que custa de 2 a 3 vezes mais do que nos países da América do Sul para um ter um conjunto similar de canais? (o que faz com que o Brasil fique na lanterninha dos países da América do Sul na penetração do serviço). Ou ainda a tal ‘liberdade’ esteja em comprar pacotes absolutamente fechados, onde não se permite a escolha de canal por canal?

“Não acho que são só os estrangeiros que estão interessados nessa campanha. Interessa às Organizações Globo continuar com o quase monopólio da programação brasileira na TV por assinatura. Sozinha, a empresa entrega conteúdo (canais de programação) para 82% dos assinantes brasileiros (vá em http://netbrasil.globo.com/ e clique em ‘Quem somos’). Com esse situação, deita e rola, fazendo o preço dos pacotes serem de 2 a 3 vezes maior que nos países vizinhos, para um conjunto similar de canais. Por que interessaria à empresa qualquer possibilidade de mudança nessa situação? Qual o interesse da empresa para fazer o mercado de televisão por assinatura crescer, se isso mataria a galinha de ovos de ouro dela (a audiência da TV aberta)?

“Tudo que as organizações Globo odeiam é a competição na TV aberta, ou mesmo dentro da TV por assinatura, pois hoje, já domina também esse mercado.

“Como disse, no site “Liberdade na TV”, sequer há qualquer link para o texto do PL. Quem quiser, encontra o texto criticado pela ABTA em: http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=529787

“As cotas estão a partir do artigo 15. É só conferir. REFLETIR a respeito e tomar partido.

“Abraços, João.

“PS: só mais uma informação, vi lá, o cômputo das cotas é realizado em cima dos pacote que chega na casa do assinante. Por pacote entende-se todos os canais, MENOS os canais de veiculação obrigatória (canais abertos, comunitário, TVs do legislativo, judiciário, etc.). Esses canais também não entram no cumprimento das cotas.”

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About José Antonio Meira da Rocha

Jornalista, professor das áreas de Editoração e de Mídias Digitais na Universidade Federal de Santa Maria, campus cidade de Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil. Doutor em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design (PGDesign)/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Brasil, 2023. Mestre em Mídias pela UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil, 2003. Especialista em Informática na Educação, Unisinos, 1976.