Para onde olhamos quando estamos diante de uma página impressa ou de uma obra visual? Esta questão preocupou artistas, pintores, estudiosos das artes visuais e jornalistas durante anos. Por muito tempo, no jornalismo se difundiu a teoria das “zonas de visualização”, como citado por Edmund Arnold no livro “Tipografia e diagramado para periódicos”. Mas este era um conhecimento empírico, para não dizer um grande “chute”. Esta crença foi desfeita a partir de pesquisas científicas levadas a cabo nos anos 1990.
Um dos autores que difundiram as ideias de Arnold foi Rafael Sousa Silva em sua dissertação de mestrado “Diagramação: o planejamento visual gráfico na comunicação impressa”. Leia o capítulo Zonas de visualização da página impressa para ver o esquema proposto por Arnold, também apresentado na figura ao lado.
Mas, a partir dos anos 1980 e 1990, estudos mais acurados, que captavam os “caminhos” do olhar sobre uma superfície, demonstraram que idéia de zonas de visualização era mais uma aposta errada do que qualquer outra coisa.
Ainda nos anos 1950, estudos do russo Alfred Yarbus sobre a maneira como observadores olham para uma obra visual (citado por Julio Plaza em “Videografia em Videotexto”) mostram que o olhar do ser humano segue caminhos variáveis mas fortemente determinados pelos elementos de maior interesse na composição visual. O estudo, publicado no ocidente em 1967, imprimiu em filme fotográfico o caminho seguido pelo olhar de observadores, por meio de um dispositivo “colado” ao olho por sucção. Um dos campos de provas foi o quadro “O retorno inesperado”, do ucraniano Ilya Repin.
A partir de fotos do estudo, eu montei uma imagem GIF animada (clique na miniatura ao lado para ver a animação) onde pode-se observar que o ser humano parece se interessar muito por rostos. Os riscos mostram o caminho do olhar durante quatro sessões de observação, com alguns dias de diferença entre elas. Nota-se que o olhar percorre a cena à procura de pontos de interesse e tende e se concentrar nestes pontos quando os encontra. Ou seja: quem determina para onde se olha numa composição visual é o artista que criou a composição.
Este fato foi comprovado na composição visual jornalística pelo estudo “Eyes on the news” (Olho na notícia), levado a cabo por Mario Garcia e Pegie Adams em 1990. Os pesquisadores usaram um artefato chamado Eyetrack, que pode-se ver nas ilustrações a seguir.
Ele era composto por duas câmeras de vídeo, uma dirigida a um vidro semiespelhado em frente aos olhos do observador, e outra apontada diretamente para os olhos deste. As duas imagens eram tratadas e fundidas numa só, onde aparecia a página do jornal fixa com um “cursor” apontando aonde os olhos se fixavam.
Eyes on the news confirmou algumas crenças e desmentiu outras. Confirmou, por exemplo, que a primeira página vista por leitores ocidentais é a da direita. Mas desmentiu totalmente a crença nas zonas de visualização propostas por Arnold. Também descobriu que os anúncios em jornal, no estudo, não foram lidos primeiro nem se houvesse ofertas ou se fosse anúncio colorido.
Garcia e Stark descobriram que a leitura dos jornais foi feita em duas etapas: primeiro, os leitores faziam uma varredura na página (scanning), procurando pontos de interesse. Essa parte durou frações de segundos. Depois, os leitores se fixavam em “pontos de entrada”. Estes pontos — os locais onde os leitores faziam uma visualização mais demorada — eram determinados, entre outros fatores, pelo tamanho das fotos, pelo conteúdo destas, se a foto era coloria ou não.
Veja alguns dos resultados obtidos pela pesquisa Eyes on the news. Por exemplo, o índice de visualização da primeira página de um jornal preparado especialmente para o estudo. Estes números se referem ao “ponto de entrada” na página, ou seja, o ponto em que os leitores começaram a “ler” fotos ou texto.
Os “promo boxes“, chamadas de capa acima dos logotipos dos jornais, tiveram o maior índice de “entrada”.
Outros exemplos de pontos de entrada:
Na última imagem, um resumo do que deve fazer um diagramador:
O que nós exploramos nesta seção deve nos lembrar um simples princípio do design: crie hierarquia. O objeto do bom design de publicaçãoé primeiro atrair o leitor, então guiá-lo através da informação. Muitos jornais abandonam leitores por deixá-los livres para vagar através de campos e florestas do desconhecido. Não admira que tantos leitores fiquem perplexos e eventualmente perdidos. Criando uma hierarquia de movimento através de uma página ou de páginas espelhadas, nós podemos orientá-los e aconselhá-los gentilmente mas efetivamente, estabelecendo uma harmonia de movimento que resulta em compreensão. Para planejar esta viagem para os outros, nós primeiro necessitamos ver o que o leitor vê — neste caso, duas páginas por vez.
Bibliografia
- GARCIA, Mario; STARK, Pegie. Eyes on the News. St. Petersbourg, Fld. : Poynter Institute for Media Studies, 1991.
- PLAZA, Julio. Videografia em videotexto. São Paulo : Hucitec, 1986.
- SILVA, Rafael Souza. Diagramação: o planejamento visual gráfico na comunicação impressa”. São Paulo : Summus Editorial, 1985.
- YARBUS, Alfred. Eye movements and vision. New York: Plenum Press, 1967.
-
HOLMQVIST, K; WARTENBERG, C. Daily newspaper layout – designer’s predictions of reader’s visual behaviour – a case study. Lund University Cognitive Studies, Lund, 2005. n. 126. Disponível em: <www.lucs.lu.se/LUCS/126/LUCS.126.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2012.
- HOLMQVIST, K.; WARTENBERG, C. The role of local design factors for newspaper reading behaviour – an eye-tracking perspective. Lund University Cognitive Studies, Lund, 2005. n. 127. Disponível em: <http://www.lucs.lu.se/LUCS/127/LUCS.127.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2012.
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HOLSANOVA, J.; HOLMBERG, N.; HOLMQVIST, K. Tracing Integration of Text and Pictures in Newspaper Reading. Lund, Suécia: Lund University Cognitive Studies, 2005. Disponível em: <http://www.lucs.lu.se/LUCS/125/LUCS125.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2012.
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HOLMBERG, N. Eye movement patterns and newspaper design factors. An experimental approach. Lund: Lund University Cognitive Science, 2004. Master Thesis. Disponível em: <www.humlab.lu.se/resources/publications/studentpapers/Holmberg_04.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2012.
gostei da dica valeu……….
Caro professor,
Recentemente, fiz um concurso da banca CESPE com o seguinte enunciado:
73 Ao visualizar uma página, os olhos do leitor focalizam
primeiramente o centro óptico da mesma, localizado um pouco
acima e à esquerda do seu centro mecânico.
Eu respondi que estava errado, pois nunca li nada a respeito de centro mecânico (somente os centros óptico e geométrico). Além disso, o centro óptico, pelo esquema das zonas de visualização, não fica acima e a esquerda. Só acima.
No entanto, pelo gabarito, a afirmativa está correta. Você poderia me explicar o porquê? Não consegui nenhuma bibliografia que falasse sobre um centro mecânico.
Desde já, muito, muito obrigada.
Olá, Jaqueline.
Nunca ouvi falar de “centro mecânico”. Deve se referir ao centro geométrico. Se o concurso não deu bibliografia, você pode entrar com recurso.
Além do mais, todo o enunciado é superado por estudos de 1990.
Olá, José Antônio
Sou jornalista e preciso de sua ajuda. Acabo de fazer uma prova de concurso e uma das questões era justamente sobre o padrão de movimento dos olhos. Segue a questão:
O padrão de movimento dos olhos é um dos fatores mais importantes para determinar as áreas nobres de diagramação de uma página. Este padrão é:
a) de baixo para cima, da direita para a esquerda;
b) o foco nos quadrantes superior à direita e à esquerda;
c) o movimento vertical de baixo para cima;
d) um movimento de cima para baixo, da esquerda para direita;
e) todas as alternativas anteriores estão erradas.
Levando em consideração que, dentro do padrão ocidental, a resposta correta seria “de cima para baixo e da direita para a esquerda” marquei a letra E.
No entanto, o gabarito é a letra D. Gostaria de entrar com um recurso. Li aqui que a pesquisa “Eyes on the news” traria embasamento para meu recurso. Como poderia ter acesso a esse estudo? Estou com uma certa urgência, pois o gabarito saiu hoje e o prazo para recursos é dia 05.
Existe a possibilidade de o senhor me enviar por e-mail as páginas escaneadas? Ou ainda, existe algum outro livro que diga isso de forma clara para eu procurar nas bibliotecas de minha cidade?
Muito obrigada e, se possível, aguardo resposta em meu e-mail
Abraço
Olá, Thassiana!
Você pode usar o meu artigo como referência, se o concurso não especificou a bibliografia. Também pode tentar comprar o livro pela internet, mas acho que está esgotado. Tente no site http://www.poynter.org.
Sucesso!
Olá, professor.
Encontrei seu blog por acaso e espero que possa me ajudar com meu trabalho de conclusão de curso (estou no último ano de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo).
Estou fazendo uma monografia analisando a diagramação de jornais japoneses, impressos aqui no Brasil (Nikkey Shimbum, São Paulo Shimbum).
Com base no pensamento de que não se pode separar forma de conteúdo, quero fazer um estudo de como formas de escrita diferentes (ideogramas e caracteres japoneses) podem influenciar no planejamento gráfico de uma mídia impressa. Não sei se o senhor tem conhecimento desse tipo de escrita, mas em japonês lê-se de cima para baixo, da direita para esquerda.
Estou com uma séria dificuldade para encontrar referências bibliográficas, então venho ao senhor para pedir alguma sugestão sobre o assunto, que possa ser acessível para mim aqui em São Paulo.
Muito obrigada pela oportunidade de entrar em contato. Fico no aguardo por um retorno.
Mayra Maki Sassaki
(11) 8961-1847
Olá, Mayra!
Achei muito bom seu tema. É de interesse mundial, num momento em que Oriente e Ocidente estão cada vez mais perto um do outro. O preço a pagar pelo pioneirismo é a falta de estudos anteriores em que se basear. O ganho é que, fazendo um bom trabalho, você poderá transformá-lo em livro (quero uma cópia de seu trabalho!).
Na parte de estudos sobre a escrita românica (ocidental), eu uso conceitos de Artes Visuais da Escola Bauhaus, Gestalt e os estudos de eyetracking do pessoal do Instituto Poynter (Mario Garcia, Pegie Adams).
Se você pegar estas teorias e usá-las para analisar jornais nipo-brasileiros, já estará fazendo uma grande contribuição ao multiculturalismo. Um trabalho mais aprofundado, que você poderia fazer no mestrado ou doutorado, seria uma espécie de eyetracking em leitores de japonês, para ver realmente como se comportam os leitores desta língua.
Oi, Professor.
Obrigada pela sua dica quanto ao meu trabalho de conclusão de curso sobre a diagramação de jornais japoneses. Já apresentei meu trabalho e passei!
Ainda não tenho planos de publicá-lo, justamente porque está bastante simples e precisaria de mais um aprofundamento nos assuntos levantados. Mas se ainda tiver interesse, tenho o trabalho em pdf e posso te encaminhar. Pode me mandar um e-mail direto que eu replico com o anexo.
Muito obrigada novamente.
Abraços
Mayra
Oi, Gabrielle!
A biografia dele em inglês está aqui. http://en.wikipedia.org/wiki/Ilya_Yefimovich_Repin. Tem mais pela rede, porque é um artista importante.